A ansiedade, que mais cedo deixara Cláudio com a impressão de que as coisas poderiam melhorar, agora é substituída por medo. Porque o IV Líder Alfa, que passou todo o tempo quieto, está se dirigindo a eles?

― Eu não entendi, meu líder, pensei que tivesse me convidado para apenas uma reunião de cúpula comum.

O chefe de Cláudio olha atordoado para os rostos na sala, como se esperasse na expressão deles, alguma resposta para o que acabara de ouvir.

― Graças a forte parceria e vínculos formados entre a Alcateia e ao holding farmacêutico durante todos esses anos, o Dr. Douglas trouxe ao meu conhecimento um caso um tanto quanto preocupante para nossa gestão. Como você trabalha há anos para a nação, decidi convocá-lo pessoalmente e tirar isso a limpo.

― Problema, senhor?

― Como você bem sabe, nosso amigo Dr. Douglas, gerencia um imenso patrimônio, responsável por uma ação importante dentro da nação que governamos. Todo o holding farmacêutico que produz desde a Bluebird até medicamentos menores e provisão de tratamentos de saúde para a população, está nas mãos dele. Isto é um voto de confiança e parceria que não pode ser abalado, meu caro magistrado.

― Reconheço a importância do trabalho desse império farmacêutico para a nossa nação, senhor.

― Tanto reconhece que o senhor está tentando lucrar por fora, com licitações fantasmas para além da fronteira, magistrado. ― Disse o Dr. Douglas.

― O quê? ― Cláudio não conseguiu evitar o choque. ― Do que eles estão falando, chefe?

O Dr. Douglas solta uma curta e baixa gargalhada ao olhar para Cláudio e se volta para o magistrado, jogando a sua frente uma pilha de documentos que contém, além das transações realizadas pelo magistrado, um relatório de investigação do caso de licitações fantasmas.

― Você pode ler tudo, magistrado, mas acredito que não precise, pois você sabe que é responsável por todas essas ações. Aqui está uma cópia para você, Cláudio, caso queira saber no que o seu gabinete está envolvido.

― Sabe, em todos esses anos trabalhando com você, imaginei que já conhecia o caminho das pedras para trabalhar conosco, magistrado. ― Disse pela primeira vez o Marechal que até então permanecera calado, desde a primeira reunião.

― Chefe, eu não entendo, aqui há dezenas de autorizações para exportar desde medicamentos até bens manufaturados de Marfim Fantasma e enviá-los para o Reino Liberal da Amazônia.

― Sim, Cláudio, se fosse apenas uma questão de exportação, não estaríamos encarando isso como um problema. No caso, seu chefe usou desses artifícios para desviar todos esses bens. Nunca chegaram ao Reino Liberal da Amazônia e, na verdade, nós nunca havíamos negociado antes tamanha quantidade de matéria e dinheiro com eles. Onde foi parar tudo isso? Somente o seu chefe pode dizer.

― Como isso passou pelo meu escritório? Eu juro que não sabia disso, IV Líder.

― Esse é o ponto, Dr. Cláudio, isso nunca passou pelo seu escritório e pelo crivo de avaliação de nenhum outro. Toda essa transação foi feita às escondidas pelo excelente magistrado que é o seu chefe. Obviamente ele não levará todo o mérito sozinho, uma investigação interna também descobriu um cúmplice dele entre nossos homens.

― Chefe! ― Cláudio olha assustado e tenso para o magistrado, que já está vermelho e suando frio, com as mãos que tremem à procura de algum apoio.

― Meu líder, eu posso explicar esses documentos, você disse que me concederia chance de defesa.

― Eu disse que lhe daria a palavra, não a defesa. Onde está isso tudo? ― Perguntou o IV Líder Alfa, com as mãos elevadas na direção do rosto e cotovelos apoiados na mesa.

― Perdão, senhor?

― Eu não quero ouvir suas desculpas, magistrado, quero ouvir apenas a sua voz me dizendo onde foram parar todos os bens que você desviou e que possivelmente lucrou com eles.

― Mas, senhor, isso é um golpe armado por esse cara, eu fui procurado por eles antes disso tudo acontecer.

― Você realmente achou que tinha total autonomia e liberdade em tudo que se refere ao Reino Liberal da Amazônia? Não seja burro, magistrado, eu jamais daria tamanho poder à pessoas que trabalham para mim e para o meu império.

Cláudio engole seco e começa a ofegar enquanto ouve as palavras do líder da nação.

― Graças a uma real negociação feita com eles, uma das primeiras em grande escala, na verdade, foi possível acionar o gatilho para perceber o que acontecia há meses no seu gabinete.

O chefe de Cláudio gagueja e entra em pânico, enquanto treme e respira de forma descompassada.

― Senhor, por favor!

Diante dos dois, os três homens mais poderosos de Nova São Paulo do Sul encaram, de maneira que é possível sentir a seriedade e irritação do IV Líder Alfa. O Marechal levanta de sua cadeira, caminhou em direção à janela, abre uma fresta na cortina e olha em direção ao coliseu, que fica abaixo.

― Já está quase na hora de a mídia licenciada chegar, depois nos direcionaremos para lá, meu líder.

Após o aviso, acena para o lobo mais próximo à porta, que imediatamente entende a mensagem e conduz para dentro da sala um homem algemado.

― Aqui está o nosso xeque-mate, magistrado. ― Disse o Dr. Douglas, com um sorriso torto no rosto.

Ele olha para o Cláudio e não consegue conter o riso.

― Esse seu chefe, hein, hahahaha! Se iludiu achando que era esperto.

O marechal acena para que o homem algemado tome o assento ao lado de Cláudio. No meio dos dois acusados, ele segue pálido e sem reação. Não consegue entender porque fora colocado nessa situação.

― Senhor, eu já disse, esse homem me procurou, veio em nome desse bandido que agora me acusa de tê-lo enganado.

Diz o magistrado, quase gritando e chorando.

― Eu já disse que só desejo ouvir a sua voz para me dizer onde isso tudo foi parar. Será necessário que eu investigue toda a sua família, magistrado?

O homem entrou em choque após ouvir a pergunta, se sentiu sufocado, e ajeita o colarinho para respirar melhor.

― Pois bem, então. Marechal, faça as honras.

O Marechal acena novamente e três lobos se dirigem à mesa, param atrás dos que estão sentados diante deles. Cláudio não ousa olhar para trás, mas percebe que um dos lobos está de pé com o cano gelado da arma apontada para a sua nuca.

A sensação do toque desperta nele um desespero que só lhe faz pensar em Gabriel, em sua falecida esposa e nos anos de vida que dedicou àquele gabinete, tentando andar na linha e crescer na carreira sem errar, como fora orientado tantas vezes em sua juventude em fora educado em casa. Tudo isso se desfaz em sua mente em poucos segundos com o mero toque de uma arma, provocada pela ação de outros.

Fecha os olhos e consegue apenas murmurar o nome de Gabriel em sua boca. Foi tempo suficiente para ouvir o som dos disparos por completo e sentir na cabeça um zumbido forte e constante. Então percebe que ainda não morreu. Cláudio abre os olhos devagar e se depara com suas mãos, braços e colo, cobertos de sangue e pedaços de crânio dos dois homens que antes estavam vivos ao seu lado. Está em choque, percebe que o IV Líder Alfa se levantou da cadeira e agora caminha em direção à saída, seguido por outros seguranças. Diante dele, o Marechal ordena qualquer coisa aos homens que ficaram na sala enquanto Dr. Douglas olha para Cláudio enquanto diz algo, mas ele não entende nada do que é dito, está apenas atordoado. Ao seu lado, os dois corpos com as cabeças aos pedaços estão apoiados sobre a mesa, e o sangue se espalha sobre os papéis.

O zumbido diminui lentamente seu volume, mas Cláudio só percebe sua condição após receber um tapa no rosto, do Marechal que o puxa da cadeira pela gravata.

― Levante-se e vá se limpar, homem. É preciso aguentar muito mais do que isso para crescer onde você está. Nós temos provas de que você não estava envolvido nisso, mas se você é o cara que irá substituir o magistrado para o que precisamos, uma lição também precisava ser ensinada a você. Ande na linha conosco, Doutor.

Cláudio engole seco, ainda em choque, e recebe de Dr. Douglas pequenos lenços para se limpar. Não sabe o que dizer e nem o que perguntar, mas tem ciência de que o silêncio dele pode ser preocupante.

Antes que dissesse qualquer coisa, um forte tremor, acompanhado de um alto estrondo, alcança a sala. É então que todos percebem que uma explosão aconteceu bem ali, na Cidade Gestora e Tecnológica. Nesse mesmo instante uma sirene de evacuação é acionada e tanto o Marechal quanto Dr. Douglas deixam a sala às pressas. Cláudio é escoltado para fora da sala por um dos lobos e, junto à multidão de funcionários que trabalhavam no edifício central, deixa aquela área que começa e ser sitiada por numerosos soldados lobos que chegam.

Por ainda estar confuso com o que acabara de acontecer, não se preocupa em entender de onde veio a explosão. Apenas caminha devagar rumo às estações de trem para deixar o local. Enquanto caminha, repara em seu corpo, na roupa amarrotada. Olha em direção aos braços, pernas e barriga, e nota que está mais bagunçado do que quando saiu de casa. Sua roupa, que antes estava amarrotada, agora carrega manchas. Cláudio olha para as próprias mãos e percebe que ainda estão sujas de sangue.