Passos rápidos até ficar livre de tudo quando chegar no apartamento com uma ansiedade por paz e esquecer de todos os problemas. O encontro com o mascarado e o ataque na loja de roupas com um monstro de lâminas nos braços. Falta o Godzilla vir e destruir a cidade.
Melhor não pensar sobre isso senão outro Yokai aparece e quem sabe ele cresce e destrói a cidade e realiza seu sonho de comer.
Para de pensar nisso, Vanz!
Entrava num beco apressado de chegar ao apartamento e ali era um atalho ideal – ou não – para ganhar o tempo. A cabeça estava totalmente perturbada de pensamento ao mesmo tempo que o estresse estava predominando a alma. Para conseguir paz, será um esforço tremendo. Olhava para trás e não via sinal de ser vivo, o que era um alívio. Eu havia parado um pouco para respirar e tornar a olhar para frente e me deparar com um homem à minha frente, parado e me dando um susto.
– Você está bem, Mestre?
Claro que seria o miserável do Tanuki para inventar de brotar do chão e me dar um susto num momento tenebroso que passei! Não sei se ficava aliviado ou estressado.
– Não me assusta, Tanuki! – gritava arfando com a mão apoiada na parede. A sacola de roupas ainda está comigo. – Você demorou demais para aparecer.
– Mas ainda cheguei a tempo – seu argumento só está me dando vontade de dar um murro na cara dele. – Eu tive que ficar encolhido para fugir melhor de seus tufões. No momento que ele abrisse a guarda, era a minha vez de...
– Eu sei! Eu vi! – ele não precisa narrar o que aconteceu. – Era outro Yokai?
– Um Kamaitachi, capaz de criar tufões com suas lâminas que são parte de seu corpo. São poderosos, mas solitários.
Extremamente poderoso, pensei. Até batia de frente contra Tanuki. Ao menos, escapei de suas lâminas e estou em falsa paz. Falsa porque simplesmente me encosto na parede e suspiro forte, suado e cansado não apenas da correria, mas da vida. Não tenho o que argumentar contra Tanuki porque foi esperto em querer não se expor ao público e me salvar; isso poderia ferrar total com a mídia caindo em cima de mim.
Se é que ele pensava nisso.
Além disso, estou exausto, acabado. A cabeça baixa, as orelhas igualmente e quase sentando na grama com desejo de botar a cabeça entre os joelhos e chorar. Tanuki me olhava com estranheza e agachou para olhar direito ao meu rosto, o que fiz desviar. Quero evitar o contato visual. Logo eu vou ficar doente e péssimo com tudo isso, se duvidar. Só o que sinto é tristeza.
– Estou cansado... apenas isso.
Tanuki ficou em silêncio comigo, evitando mais problemas. O respeito, ao menos. Não presto atenção nele nem se tem alguém me perseguindo. Acho que nem o chá é forte o bastante para levantar meu humor da catástrofe. Minha mente começa a rondar sobre Tanuki e o culpando desde o dia que nos conhecemos e me salvou de tantas ameaças. Alívios e desabafos, misturado e culposo. Eu não gostaria de pensar em mais nada. Nada mais parece me botar para cima, o que dirá de alguém que é prestativo para comigo?
– Acho que isso vai lhe satisfazer, Mestre – ele corta o silêncio no seu clássico sorriso. – Encontrei o torii.
Isso não me parecia grande coisa. Não estava apto para escutar nada que seja fantástico. A cabeça permanece baixa querendo sossego. Ele apoiou as mãos sobre meu ombro e balançou pesado, movendo minha cabeça para frente e para trás.
– O que é? – grito com raiva.
– Sei que está cansado de tudo, mas deixe-me levar ao torii e mostrar o lugar.
Fico calado e encarando com raiva enquanto seu sorriso é a arma. Queria sorrir igual ele num momento desse.
– Não quero ir – viro o rosto e empurro ele. – Me deixa em paz.
– Não se faça de difícil, Mestre – ele “aconselha”. – Você quer paz; eu posso mostrar.
– Mostra-me deixando só.
Bufo encolhendo os ombros e evitando contato visual. Estou sem fome e decepcionado.
Mesmo na minha ordem, nada impedia ele. Tanuki puxou minha mão, me pegou no colo rápido e começou a correr pelo beco. Estava pedindo para eu dar um murro na cara dele. No momento que eu iria gritar, ele deu um pulo que era como se alçasse um voo, o vento batendo nos meus ouvidos e abafando. Eu segurava no pescoço dele agoniado e com mais desejo de espancar ele. Eu tinha fechado os olhos com gritos de reprovação e temendo que as pessoas pudessem nos ver correndo por ruas e carros até ao falado torii. Eu estava achando estranho que não escutava passos e nem sentia o tremor; nem os sons da cidade direito. Aos poucos, abro os olhos com medo do que estou preparado.
Telhas vistas de cima, prédios, carros e o movimento baixo da cidade sendo menor quando noto que estou voando com Tanuki me carregando no colo e forte com a confiança de erguer meu humor. Não sabia que essa era sua maneira de viajar.
Abro os olhos no espanto não tendo ideia se grito ou fico quieto assistindo tudo parecendo um drone. Poucas nuvens entre nós nos dão um ar de oculto e nunca imaginei que o silêncio seria maior no ar.
– Estamos voando? – pergunto.
– É assim que viajamos quando manipulamos o vento.
Uma boa maneira. Para quanto tempo viajar, não faço ideia. Nem contei quanto tempo levamos. Eu ficava observando a cidade e imaginar o quão pequeno fica quando estou no ar. Posso ver o infinito azul do céu. Mas foi curto; Tanuki diminui a velocidade e pousamos num lugar cheio de gramas curtas e pedras que montam um caminho. Ao redor não prestei atenção.
Botando as patas no chão e sentindo mais seguro, pensei duas vezes se grito contra Tanuki por ter me puxado para essa estranha viagem; só mudei de ideia quando comecei a escutar som de ondas bater em meus ouvidos e olhar para a direção da origem. Um maravilhoso mar azul à frente e o infinito horizonte fazendo a mente mergulhar no paraíso. Caminho mais próximo das rochas da borda e debaixo eu vejo mais pedras banhadas pelas ondas do mar e os sons furando minha mente em pureza.
– É o Mar de Sunomono?
– Você mora numa maravilhosa vila, Mestre.
Vila ou cidade, agora sei por que Mika me convidou para visitar o mar: uma maravilhosa pintura. Realmente fascinante. Se eu soubesse que há um lugar desse para ver, nunca faria cara feia de conhecer.
– É maravilhoso – meus olhos enchem de beleza. – Nunca pensei em ter uma vista dessa de perto.
– Mas há outra coisa que você precisa ver – ele puxou meus braços e atrás de nós há uma grande casa com paredes brancas, nenhuma janela na frente e teto cinza. Mais curioso é o alto pergolado na nossa frente, pintado de vermelho e sem folha trepadeira. Duas madeiras erguidas em coluna e mais duas deitadas no topo mais finas.
– O que é isso?
– Esse é o torii, Mestre.
Então essa pilha de madeiras é o sagrado portal? Eu examinava as colunas, a pintura e os troncos bem alinhados sobre o outro.
Depois de tentar descobrir o significado do pergolado, olho de novo para casa à nossa frente com uma escrita japonesa na placa em cima da porta. Parece que é uma academia como Mika disse. O lugar parece grande e fundo. O professor daqui é um homem abençoado em construir em frente a uma vista dessa para treinar.
Além do mais, só há essa academia ao redor do mar. É uma área inapropriada?
– Tem dúvidas, Mestre?
– Do que? – olho para ele.
– Sobre o torri.
Sobre isso, tenho várias dúvidas. Do chão ao topo, é louco acreditar que essa obra é o sagrado portal que nos dá a origem dos Yokais.
– Não acredito que esse pergolado é o que você diz.
– Tente atravessando.
Tanuki bateu nas minhas costas e empurrou para que eu cruzasse o pergolado, pouco convidativo. Ele me olha confiante com a proposta e seu sorriso é a única energia que leva ao perigo. Quantos anos tenho que aguentar ele?
Tenho que tirar provas com os olhos. Respiro esperando que tudo vá bem e movo as patas, cruzando as colunas vermelhas e parando. Olho ao redor do meu mundo e vejo nada de diferente. Tanuki cruzou também e parou ao meu lado.
– Sentindo algo diferente, Mestre?
– Nada – meus olhos desaprovando seu modo bobo que esse objeto pode ser o portal que traz os demônios.
– Você não está dedicando o bastante, Mestre – ele fecha os olhos num suspiro.
– Dedicando? Sofri com a visita do mascarado e fui atacado na loja por um cara com lâminas nos braços – voltei ao estresse. – Como quer que eu dedique a essa estúpida ideia que esse pergolado é um insignificante portal que nos leva ao...
– Oh! Silêncio!
Escutamos alguém gritar e nossa discussão termina – pelo menos a minha parte. Dando atenção ao grito, olhamos na direção da casa que havia um idoso abrindo a porta e de mau humor. É um guaxinim de pelo cinza segurando um cajado de madeira; vestia um roupão preto temática ao lugar. Ele deve ser o dono da morada, mas é muito velho.
– Não podemos ter um mínimo de silêncio e escuto murmúrios fora do dojô? – ele está vindo a nós furioso com nosso desrespeito e devo reconhecer. Na verdade, achei que esse dojô estava fechado.
– Me perdoe, senhor – Tanuki comentou se curvando em referência. – Não foi nossa intenção quebrar sua paz.
Oh... como eu queria paz!
– Não importo com desculpas – o velho bufou. – Vocês são novos e sabem disso. Não façam barulho novamente.
Novos? Essa é boa.
Eu, que não curvei por falta de costume, olhava para sua aparência e recebi uma troca de olhares. Ele me encarava de forma estranha que não gosto um pouco. Ele parecia ser de idade bem avançada a julgar pela coluna curvada e rugas, olhos tão puxados que quase fecham.
– Nunca o vi ao redor do mar – ele fala enquanto me examina da cabeça ao pé, como diz o ditado. Me senti desconfortável. – Você é uma Kitsune bonita, jovem.
– Obrigado – sorrio corando e erguendo os ombros – mas acho que está confundindo. Não sou uma Kitsune.
– Não é? – ele me olhou estranho. – Você tem feições de uma e sinto uma energia em você.
– Desculpa... Energia? – chamo a atenção dele tentando ser calmo, apesar de mais confuso.
– Mais que isso – ele prossegue. – A vila não recebe uma energia tão grande há muito tempo.
– Que vila?
Perguntei confuso e corri para o lado do dojô para certificar do ambiente que estou, a cidade e as pessoas caminhando. Eu queria acreditar no que meus olhos estão vendo. As casas e portões e os carros foram substituídos por casas ou cabanas de um e dois andares, pessoas quase da mesma raça usando roupas exóticas e carregando cestas e enxadas, sacos de vegetais, cavalos e bodes amarrados, soja e uma enorme colina no fundo fazendo uma paisagem. O clima era parecido da minha cidade com céu azul e pouco nublado, dando um maravilhoso ambiente, mas a energia que sinto é totalmente diferente. A natureza é mais presente, o verde das gramas e até o mar mais azul.
E desde quando posso sentir energia diferente? É uma dádiva ou maldição?
Estou espantado com o que estou vendo e sentindo algo na garganta querendo sair. Tento acreditar que isso é real. Tanuki se aproximou e tentou clarear minha mente. O velho acompanhou-nos depois e devagar.
– É uma vila japonesa? – gaguejo.
– Aqui é a Vila Sunomono.
O velho respondeu o mesmo nome da onde moro. Surpresa em dobro. Sua resposta fez minha mente cair em marés de dúvidas. Tanuki portava como se voltasse à sua terra natal, respirando a pureza e a beleza que enche seus olhos, isso porque ele tenta me acalmar abanando suas mãos. Estou sendo forasteiro.
– Tanuki – o chamo desesperado. – O que estamos fazendo aqui? É um sonho?
– Essa vila é um sonho de morar em paz, Mestre – ele sorriu. – Não há com o que se preocupar.
– Ah... Então você é o Mestre dele?
O senhor comentou olhando para nós e eu reagi balançando o corpo numa nuvem de confusão e tentando explicar no gaguejo. Agora que ele escutou que sou “Mestre”, ele pode pensar que sou algum mestre de artes marciais ou Kitsune mesmo; só que não quero desafiar ninguém. Japoneses são um tipo de gente que ama desafiar o primeiro que eles veem em filmes de samurais.
– Não, não... É um mal-entendido. É...
– Isso responde porque sinto uma energia diferente vindo de você.
Tento explicar da melhor maneira possível, mas seu cajado enrolou meu pescoço e puxou para próximo dele onde nossos olhos encaravam ao ponto de me fazer ter um certo medo. Seus olhos castanhos focados nos meus vermelhos, a situação é estranha; ele porta como um detector de mentiras. Ele fica quieto me olhando enquanto fico desconfortável. Tanuki só olha quieto, como esperado.
– Você carrega uma forte energia em sua alma – ele retira o cajado de mim e ergo minha coluna de volta.
– Sério? – com medo de saber o que seria isso. – E sabe o que é?
– Talvez – ele coçava o queixo, mas olhava confiante. – Possivelmente você tenha uma linhagem dos Kitsunes.
Ah não! Não sei por que meu pelo arrepiou quando disse exatamente o que os Onis, o das lâminas e o mascarado disseram: sangue de Kitsune. O que as Kitsunes têm de especial e única dos outros?
– Acho... acho que está errado. Não tenho essa linhagem e ninguém da família tem essa energia que você disse – tento esclarecer como nos outros dias.
– Talvez esteja confuso, jovem – ele suspirou. – Ou talvez alguém esconde de você.
Escondendo? Conheço meu que cuidou de mim, a mãe que partiu sem pistas, o avô que ama plantas e conta as histórias de famílias, aventuras, velhos tempos e tudo. Mas sou brasileiro com sangue chinês, dois países diferentes do Japão.
Tanuki pousou a mão em meu ombro para confortar e sorria para o senhor do cajado.
– Meu senhor...
– Me chamem de Kegawa – o idoso disse seu nome. Puramente japonês.
– Sim, Kegawa-sama. Como o senhor observas, meu Mestre está perdido. Ele é do outro mundo que chamamos de realidade, e Yokais estão invadindo para caçarem ele. Pode nos ajudar a entender sobre essa linhagem dos Kitsunes que meu Mestre tem e se há alguém para ajudar ele?
Kegawa respondeu com uma olhada para o lado onde as pessoas trabalhavam. Ninguém prestando atenção na gente. Logo, ele sorri apto à ajuda. Olho ao redor e noto que ninguém está perto do mar para apreciar a vista, banhar ou talvez pescar. Não acho que pessoas usam mares para banhar como se fosse praia. Antigas culturas são fascinantes, mas estranhas ao mesmo tempo.
Afinal, onde estou? Um universo paralelo onde estou arrastado para sempre? E por que todos acham que tenho esse troço de Kitsune?
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