Do lado de fora, o que acontece é exatamente o que previra: vários infratores em surto atacam uns aos outros enquanto que ele ouve os gritos da mulher, também em crise, se recuperando da queda e buscando atacá-lo novamente.
Ele entende que para essas pessoas já não há mais volta, seus organismos aguentaram o máximo que podiam os efeitos do envenenamento por MG.N.8 e agora se tornaram corpos raivosos, instintivos, com todo o raciocínio morto, apenas um desejo desenfreado de atacar antes que o cérebro colapse de vez e então soltarem o último suspiro de vida. O medo toma conta de Eric ao mesmo tempo em que tenta usar sua inteligência para escapar daquela situação.
― Quanto mais alvos e objetos de ataque eles possuem, maiores são as minhas chances de não ser o principal alvo deles. ― Pensou consigo mesmo.
Eric demora a notar que o cabo que liga o filtro à sua máscara arrebentara. Agora já é tarde, ele retira a máscara para conseguir respirar e continua a busca para traçar o melhor caminho e passar pelo caos. Após se distanciar cerca de quinze metros do local, ouve de longe o grito da mulher que o perseguia, porém, ela faz tanto barulho que atrai outros infratores para si, que atacam-na.
― Alguém, por favor? Socorro! Alguém?
Já quase sem forças e com um bebê fraco e choroso em seus braços, Eric começa a gritar por socorro na esperança de que alguém ainda em boa condição de saúde apareça para ajudá-lo. Já vive há bastante tempo no Vale das Ruínas para entender que, quando há infratores em crise pelas ruas, os sobreviventes ainda lúcidos se escondem para própria proteção.
De repente, os barulhos dos gritos dão lugar ao som de tiros, vindo de onde ele está. Um planador voa baixo pelo céu e atinge a horda de infratores. Eric acelera, cambaleando, até que cai no chão, derrubando alguns latões e garrafas.
― Quem está aí? Identifique-se!
Três luzes se acendem em direção ao chão onde está caído. Pelos passos pesados que caminham em sua direção, sabe que se trata de lobos da Alcateia, o que lhe dá ainda mais medo que os infratores. Dois deles o cercam, enquanto um se posiciona à sua frente, com a arma apontada para seu rosto.
― Levantem essa porra de infrator do chão. Por que você está carregando essa criança, seu velho pervertido? O que você pretendia fazer?
― Senhor capitão, ele não está agindo como os que estavam em crise, mas está ferido e com hemorragia.
Os lobos tomam a criança de seus braços e o algemam.
― Analisem a origem desse infrator.
Acendendo uma luz vermelha em direção aos olhos de Eric, eles constatam que está sem identificação.
― Capitão, não há nenhum registro, o cara é um fantasma.
Apontando uma arma para o doutor, o lobo dá poucos passos em sua direção e acerta um golpe em seu rosto com o coldre.
― O que podemos fazer com você, seu verme pervertido, hein? Já que você não existe, ninguém nunca sentirá a sua falta.
Novamente outro golpe no rosto. Eric tomba para o lado, enquanto segue algemado, e em seguida leva um chute. Ele grita de dor, mas o som é abafado pelo choro alto da criança.
― Capitão, o que faremos com a criança?
― Se esse bebê sempre esteve aqui, não há motivos para nos preocuparmos com o fim que ele terá. Qual é o fim de todo esse mar de infratores, hein tenente?
― Senhor, ainda há leis de proteção às crianças. Deixá-la aqui é uma quebra de protocolo.
― Então tente salvar todas as outras que já vivem por aqui, Tenente!
― Eu me responsabilizo.
A única expressão identificável por trás da máscara de lobo do capitão é o olhar de irritação com a atitude de seu subordinado.
― Você é quem sabe, Tenente, leve o bebê até o Centro Operacional da Alcateia para saber se já possui algum registro e qual o nível de intoxicação. Lá você saberá o que fazer após os resultados. Vamos andando, parece que nossa carona terminou de limpar a imundice das ruas dessa área.
― O que faremos com ele, capitão?
― Deixem ele aí no chão algemado. Do jeito que está ferido, logo um infrator dará cabo da vida dele. Não quero gastar minhas balas.
Enquanto os lobos caminham com seus passos pesados, voltando de onde vieram, Eric tenta se reerguer e grita.
― Vocês merecem um inferno pior que a extinção, seus lobos malditos!
Um estalo de trava sendo liberada soa pela ruela em que estão.
Bang! Bang! Bang! ― Três tiros reverberam.
― Merda, gastei as balas com esse verme. Vamos! ― Disse o capitão.
Os passos ficam cada vez mais distantes e um sombrio silêncio voltou a fazer presença. Ao longo dos becos e ruas, a visão de infratores mortos. Já não há mais o choro da criança, apenas o soluço e tosse de Eric se engasgando com o próprio sangue.
― Se existe mesmo um deus em algum lugar, como eu tanto aprendi no passado, por favor, salve essa criança. ― Pensa o doutor que quase já não conseguia mais respirar.
― Me desculpe, Rico, meu filho. Eu não consegui chegar a tempo.
A chuva tóxica que não caiu à tarde inteira, aconteceu naquela noite. Ali, no chão da favela, no Vale das Ruínas, Eric morreu.
Gabriel seguia rumo a mais um dia rotineiro de sua vida, até que sofre o impacto da informação de que o seu namorado Hugo está foragido e é caçado por toda Nova São Paulo do Sul, uma nação que nasceu das cinzas do cataclismo ambiental e que se tornou lar hostil para ele e milhares de civis. Como se não bastasse lidar com o ar envenenado, a dependência coletiva de drogas e a violência extrema da alcateia, os dois jovens são envolvidos em uma avalanche de situações que abalam todas as esferas de poder da nação e revelam segredos obscuros que colocam em risco a vida de toda a população.
Como ambos serão capazes de escapar da ditadura em que vivem, e de obter poder suficiente, para confrontar a realidade perversa a que estão submetidos diariamente?
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