Sentoki ainda agonizava de dor no chão, e mal conseguia se mover. Ashi tentava se manter acordada, mas estava perdendo muito sangue. Umbra, o monstro das sombras, havia desaparecido novamente, e Kurozu se mantinha parada, estava meditando, tentando focar. Ela não pensava em detectar ou acertar um monstro tão veloz, não tinha tanta agilidade pra isso. Conseguiu perceber que Ashi só acertou um golpe porque o monstro estava focando no Sentoki, foi um golpe de sorte. Mas agora o monstro estava focado na anã, e ela pretendia usar isso a seu favor. A anã abaixou sua guarda, apesar de manter o pulso firme no machado. 

Kurozu abriu os olhos, mas ainda não podia ver o monstro. Não podia deixar de se sentir mal pelo que aconteceu, ainda estava de luto, e isso fazia seu ódio borbulhar, mas precisava se manter calma nesse momento e usar a razão. Decidiu apostar a decisão dessa batalha em sua carta na manga. 

- Senhora Umbra... - A anã falou, finalmente. - Sei que pode parecer repentino, mas se me atacar, morrerá, da pior forma possível. - Ela estava séria. 

- Hahahahah! - Seu riso maligno foi ouvido no salão, mas a dona dessa voz não podia ser vista. - Essa sim é uma declaração surpreendente, pequena! Você acha que eu cairia num blefe desses? - O monstro continuava debochando. - Você nem sequer poderia sobreviver a um ataque meu, pequena. 

- Quer apostar? - Kurozu abriu um sorriso maldoso, parecia confiante. - Não só você vai morrer, como também vai implorar pra que eu não te mate, mas não vou poder te ajudar. A única maneira de você sobreviver é não atacando. 

- Hahahah! Então é isso que você pensa? Que é fácil assim? - O monstro estava se divertindo. 

- Sim, com toda certeza. - A anã estava determinada. 

- Pois então veremos! - O monstro surgiu, numa fração de segundos, na frente da anã. E então desferiu um golpe na barriga da anã, que foi lançada contra a parede e ricocheteou no ar. Kurozu finalmente caiu no chão, no centro da sala. Caiu deitada, perto de Sentoki e Ashi. 

- E então anã? Onde está sua arrogância agora? Hahahah - O monstro ria. 

Kurozu se levantou do chão, ofegante, mas estava com um olhar calmo. Parecia não estar escutando a risada do monstro. 

- Umbra. - Ela falou, sua voz estava pesada. Apesar de sentir dor ela não queria demonstrar. - Ouvi dizer uma vez, que a melhor maneira de matar um demônio como você é descobrindo seu verdadeiro nome, que é abandonado quando alguém vende sua alma pras trevas. Um amigo me ensinou isso uma vez. 

- E daí? Quer um prêmio? Você  pode conhecer nossa fraqueza, mas nunca descobrirá meu nome, pois isso já não está escrito em lugar nenhum. - O monstro parecia preocupado com a sabedoria da anã, mas continuava sorrindo confiante. 

- Meu amigo me ensinou isso, e também me presenteou com essa armadura que eu uso com tanto orgulho...  

- Então vou destroçar essa armadura toda antes de matar você! Hehahahah - O monstro mostrou suas garras e se preparava pra atacar a anã.

- Não se esqueça o que eu disse, Umbra, você vai morrer. Minha armadura contém uma magia muito poderosa... - O monstro congelou, e por um momento sentiu medo enquanto o rosto da anã se mantinha calmo. - A magia da verdade... Todos que me atacam fisicamente são afetados por ela, e todos são obrigados a me dizer a verdade. 

- E você acha que eu tenho medo? - Umbra estava ansiosa, mas seu humor tinha mudado, estava com raiva. - Não vou cair no seu blefe, anã maldita. 

- Qual seu nome verdadeiro? - Kurozu questionou, e repentinamente o mundo se congelou pra Umbra, e ela podia sentir o desejo da anã crescer dentro de sua alma. 

- Ghak... Ma-mas como? - O olhar do monstro se transformou completamente, e só podia expressar o mais puro pavor. - Não... Não faça isso... - Seu corpo começou a tremer. 

- Eu avisei... Agora me diga, qual o seu verdadeiro nome, Umbra? - A anã estava se irritando. 

- D... Da... - As palavras tentavam sair da boca do monstro contra sua própria vontade. - Darandulin! - Ela disse, e então calou-se, estava em choque, como se não acreditasse no que acabou de falar. 

- É um nome bonito demais pra alguém tão feia... - A anã estava indiferente. - Mas agora você deve imaginar o que vai acontecer, não é? - Kurozu se aproximou do monstro aos poucos. 

- Não! - O monstro resmungou, e sentia a sua pele sombria se desfazer lentamente. - Por quê? - O monstro começou a chorar, e então a sombra que envolvia sua pele começou a se dissipar. - Não quero morrer! Me ajude! - O monstro chorava. - Eu não queria que isso acontecesse. Não me deixe morrer... - O monstro parecia diminuir de estatura, até se tornar do tamanho da anã. Suas vestes se revelaram como panos brancos e velhos, e seus olhos brilhavam com uma fraca luz azul. Seus cabelos podiam ser vistos como longos fios brancos. A escuridão tinha sido expulsa daquele ser. 

- Seu perdão está na morte... - Disse a anã enquanto olhava para aquele ser, que agora só parecia uma garota medrosa. - Mesmo que eu quisesse, não poderia mais te ajudar, garota. Sua alma foi tocada tão profundamente pelas trevas que não tem mais jeito. - Um brilho de tristeza podia ser visto no rosto de Kurozu. - Mas antes que se desfaça pode devolver a relíquia perigosa que você usou?

- Não posso... - A garota disse entre lágrimas. 

- Mas por que não? - A anã levantou uma sobrancelha, pensando que a garota ainda ia querer lutar. 

- Os tesouros sagrados... São itens mágicos muito poderosos. De uso único, e por isso o efeito da magia é eterno... - Suas lágrimas continuavam caindo. - Ou no meu caso, até o fim da vida do usuário... 

- Isso complica as coisas... - Kurozu cruzou os braços e deu as costas pra garota. 

A garota começou a se desfazer por completo, se transformando em pó. Mesmo em seus últimos segundos de vida não conseguiu parar de chorar. Sua forma verdadeira se desfez por completo. Darandulin se transformou em nada, e então morreu. 

Kurozu foi até Ashi e Sentoki, que ainda estavam no chão, para ajudá-los. Prestou os primeiros socorros pra ninfa primeiro, e depois ajudou o garoto. Os três se sentaram no chão pra descansarem um pouco antes de continuarem. Eles se alimentaram, com algumas frutas que Ashi carregava na mochila e mantiveram em silêncio por algum tempo, até que a anã começou a falar.

- E então, se sentem melhor? - Kurozu estava cansada, mas feliz. 

- Um pouco. Não esperava que você fosse tão boa com curativos. - Ashi falou. - Obrigada pela ajuda Kurozu. 

- Ei, vocês podem me chamar de Korazon, heheh. - A anã sorriu. - Além do mais, não fique agradecendo como se fossemos nos despedir. Vocês disseram que iam atravessar a ponte, não é? Vou acompanhar vocês até lá, e de lá eu vou pra Hirugard. 

- Então pode acompanhar a gente um pouco mais, também estamos indo pra Hirugard. - Sentoki falou, estava de bom humor. 

- Yupi! Então combinado. - A anã estava quase pulando de alegria. - Quando vocês acham que a gente deveria ir? 

- Burevault não é mais um lugar seguro... - Ashi disse, séria. - Então deveríamos ir o quanto antes. Ainda posso caminhar, e você Sentoki? 

- Sim, já me sinto melhor. Se quiserem podemos ir agora mesmo. - Sentoki estava animado. 

- Certo! - Kurozu se levantou. - Estou pronta quando estiverem prontos. 

- Ainda temos que abrir o portão trancado gente, não se esqueçam. - Ashi falou, preocupada. 

- Não estou com vontade de voltar pro outro salão e ficar vasculhando os cadáveres atrás da chave... - Sentoki sentia nojo só de lembrar de tantos mortos. - Não dá pra derrubar? 

- Hm talvez eu consiga. - Kurozu falou. - Não conseguiria acertar com meu machado um monstro que se move muito rápido, mas um portão... - Ela levantou o machado que tinha equipado. - Um portão eu acho que dá pra tentar. - Ela foi em direção ao portão e começou a bater nele. 

Depois de cinco ou seis golpes fortes todos ouviram um ranger, Kurozu deu um passo pro lado, saindo da frente, e então o grande portão de ferro tombou pra dentro, fazendo um estrondo horrível.  

- Tcharam! - Kurozu falou sorrindo. - E então? O que acham? 

- Eu acho que você é uma caixinha de surpresas. - Ashi disse, se levantando e indo em direção à saida. 

- E eu acho que você é muito forte! - Sentoki saltou, estava surpreso e animado. - Você é demais, Korazon! 

- Ora, não falem assim... - Ela corou de vergonha. - Vamos logo, não temos tempo a perder. 

O trio seguiu pelo corredor recém-aberto, fizeram algumas curvas, seguindo por alguns corredores longos e vazios, e então subiram por alguns degraus de pedra. Quando terminaram de subir já podiam ver a abertura pra sair da caverna, e podiam ver que o sol estava indo embora e as nuvens se acumulavam no céu. Chuva pesada estava pra cair.

- Parece que vai chover. - Sentoki falou, preocupado. 

- Não temos muita sorte mesmo. Sair de noite e na chuva pode ser muito perigoso pessoal. - Ashi estava preocupada, podia sentir que seu ferimento ainda demoraria pra se curar completamente. 

- Não se preocupem, vou proteger vocês. - Kurozu falou, alegre. - Somos uma equipe agora. 

- Equipe? - Sentoki falou. - E como deveríamos chamar a nossa equipe? 

- Que tal “Korazon e seus amigos”? - Disse a anã, sorrindo. 

- Eu preferiria algo mais interessante, como “Sentoki e suas serventes”. - Respondeu Sentoki. 

- Gente essa não é uma boa hora pra falar disso... - Ashi falou, séria. - Mas se querem uma opinião, porque não nos chamamos de “guerreiros sagrados”. Vamos atrás dos tesouros sagrados, acho que combina...

- Até que não é uma má ideia... - Disse o garoto.

- Dá pra usar por enquanto. - Disse a pequena.

O grupo continuou seguindo lentamente em direção Norte, a caminho da ponte do rio Linder. Agora estavam em três, porém os ferimentos de Ashi ainda não se curaram completamente.

A figura encapuzada ainda observava o caminho que o grupo seguia, ainda acima da montanha. Porém o ser virou as costas e começou a andar, e então foi ouvido um trovão dos céus.