Não consigo resistir a ela, continuo sem reação por causa do que acabei de ver. Meu único instinto é fugir e daí que se for junto com Eleanor Cavalcanti? Ninguém liga.
Eu certamente não ligo — pelo menos por agora.
Voltamos para a sala e aos trancos e barrancos atravessamos o cômodo até a porta. Meio mundo de gente tenta parar Eleanor, chamando-a para dançar ou só se colocando na nossa frente, puxando conversa.
Mas ela recusa todas as vezes, se mantém firme e forte no seu objetivo.
Só quando atravessamos a porta da frente e cruzamos o jardim é que me permito respirar de novo. Sentir de novo.
Solto um soluço e quase caio ao tropeçar numa pedra solta na calçada.
Não estou de coração partido, porém é impossível esconder minha chateação.
— Sinto muito. — Eleanor fala, olhando por cima do ombro pra mim com dó.
Paro de andar e puxo meu braço, em vez de me soltar ela vem junto, esbarrando as costas no meu peito.
— Sente muito pelo quê? Não tem nada pra-
— Jô. Não faz isso com você mesma. — ela me corta e me encara com uma sabedoria irritante.
Sinto minha garganta queimar e lágrimas escorrem pelas minhas bochechas.
Quero gritar com ela, quero mandar Eleanor a merda. Quem ela pensa que é? Porque ela age como se soubesse tudo sobre mim? Como se tivesse o direito de ser gentil comigo, de agir como uma amiga.
E justo depois de eu ser uma babaca. De admitir que a odeio e tratar ela tão mal? Será que é de propósito? Será que essa é a vingança dela então? Agir como uma pessoa evoluída e fazer eu me sentir pior ainda?
Travo o maxilar, incapaz de falar tudo que está pairando na minha mente ao mesmo tempo, me limito a uma só:
— Porque você não contou?
Levo uma mão ao rosto, esfregando os olhos sem me preocupar de deixar meu óculos torto.
Eleanor cutuca o canto da unha e pressiona os lábios, apreensiva.
— Eleanor!
Ela se sobressalta, um pouco assustada e eu sinto vontade de tacar a cabeça no poste de iluminação próximo a nós.
Deixa de ser babaca Ana!
— Eu já disse. Quero ser sua amiga.
Inspiro bem fundo e olho uma última vez para a casa de Kaique.
O jardim está cheio de adolescentes bebendo, se beijando e fumando — ou fazendo as três coisas de uma vez —, tem lixo por todo canto, dá pra ouvir a música mesmo daqui de fora e isso certamente deve ter deixado alguns vizinhos putos.
Supostamente, algumas dessas pessoas são minhas amigas, mas nenhuma delas notou minha ausência pelo tempo que fiquei presa no banheiro e nem reparou na minha cara de enterro quando Eleanor me arrastou pra fora.
Mas eu apostaria minha coleção de Hot Wheels que se qualquer um deles soubesse sobre mim, não hesitariam em espalhar que sou lésbica.
Me viro pra Eleanor de novo, que ainda está ali parada na minha frente. As mãos dentro da jaqueta, os pés inquietos e o nariz franzido por conta do vento frio que nos atinge.
Claro que eu vou ter que voltar para cá. Minhas coisas estão aqui e... Aparecer em casa a essa hora da madrugada deixaria meus pais bravos e preocupados. Eles iam querer saber o motivo da minha fuga.
Porém, me dou uma trégua e pela primeira vez em muito tempo, não penso nas consequências que meus atos podem trazer.
— Tá com fome? Conheço um lugar que fica aberto vinte e quatro horas.
Eleanor arregala os olhos de leve, notavelmente surpresa com minha mudança de atitude. Ela abre um sorriso e tanto e a luz do poste reflete nos piercings, como também no glitter em suas bochechas dando a impressão de que ela é uma constelação.
— Agora que você comentou... Eu tô sim.

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