A noite na vila norte começou calma e silenciosa como todas. Ao final de todo pôr do sol e início da aurora, todos se mantinham em suas casas. Não era uma regra ou lei do reino, mas um conselho dos moradores da vila, não saia de casa durante a noite se quiser permanecer vivo.
Nem sempre foi assim, há três anos as ruas e vielas da vila eram cheias de fadas e animais noturnos e as noites eram sinônimos de festas e descanso. As fadas, que eram divididas conforme os quatro elementos da natureza (água, fogo, terra e ar), se dividiam para fazer suas tarefas durante todo o dia, e todas tinham um objetivo final, o mais importante, cuidar e proteger a floresta que viviam. Por isso usavam da noite para espairecer, sem deixar pesar para o dia seguinte. As noites eram festivas e tranquilas. Alegres e leves. Isso até o dia que uma fera invadiu as ruas amedrontando a todos. Algumas fadas não haviam sobrevivido ao ataque e isso causou ainda mais pânico na vila. Com toda a confusão, algumas fadas foram designadas para organização do toque de recolher e outras para a proteção de todas, sendo essas consideradas guerreiras.
Lily era uma fada da terra comum antes disso tudo, suas únicas funções eram zelar pela floresta junto as outras fadas, cuidar da terra da floresta e de alguns animais terrestres. Agora a fada precisava cuidar das outras por ser escolhida como uma das guerreiras. Seu novo dever era garantir que todas as outras fadas e animais estivessem vivos pela manhã.
Desde que fora escolhida, há dois anos, ela tem tentado descobrir mais sobre a criatura após ter sido eleita a essa tarefa pela líder dos guerreiros da vila. Sua curiosidade conhecida por todos a fazia a escolha certa, mas não era uma tarefa fácil achar o local onde supostamente a fera passaria seus dias, ela só aparecia durante as noites, então em algum lugar ela deveria estar durante o dia.
— Lily, pode me ajudar aqui? Precisamos deixar essa terra pronta para a plantação da nova leva de flores.
— Claro, Tuli. Pode me ajudar com os roedores depois?
A outra fada concorda e elas preparam à terra enquanto outra põe as sementes e outras duas, essas sendo fadas da água, regam o solo, e uma última fada direciona um pouco da luz e calor do sol para o chão. Ao final de cada tarefa as fadas ficavam satisfeitas com seu desempenho e todo trabalho árduo, além de feitos com maestria e leveza, valia a pena, quando as flores se abriam ou os animais lhe entregavam presentes. A magia entre as fadas era pura e natural. Uma fada sempre sabe como usá-la e para que usar. Porém, não se enganem pensando que essa magia era fraca, fadas podem reconstruir florestas inteiras, mas também conseguem destruir. Tudo que elas dão podem facilmente pegar de volta.
Poucas horas antes do toque de recolher, algumas fadas se retiravam das tarefas na floresta para se organizarem para mais uma noite. Enquanto isso, Lily sempre ia até os limites da vila, passando de onde as fadas costumam trabalhar para tentar achar a fera. Ela voa entre as árvores com o vento batendo contra seu rosto e sempre faz questão de olhar em todos os buracos e cavernas. Há algumas montanhas ao redor da floresta e costuma voar entre elas, parando algumas vezes para descansar suas asas. Exatamente como agora, ela está sentada ao chão, encostada em uma árvore. Ela pode sentir o cheiro das flores mais perto, das árvores e distinguir todos eles. Ela consegue sentir o cheiro da terra aos seus pés. Consegue ouvir a água caindo pelas pedras em uma cachoeira próxima, o barulho do vento passando pelas árvores e alguns animais. São esses cheiros e sons que acalmam e fazem a fada sentir-se viva.
Lily está pronta para levantar-se dali quando o barulho de um galho no chão se quebrando chama sua atenção. Ela se levanta devagar sem fazer barulho, afinal poderia ser a fera a caminho da vila. Ela se esconde atrás da árvore, olhando para onde ouvira vir o barulho, apenas parte de sua cabeça pode ser vista. Seu coração está acelerado e sua arma, uma espada, está em sua mão direita, pronta para qualquer ataque. Contudo, ela não precisa de nada disso quando um majestoso unicórnio branco é o que sai por entre as árvores. Ele é lindo aos olhos da fada, parece quase brilhar. Ela guarda sua espada saindo de trás da árvore e se curva ao animal em total respeito. Unicórnios são seres mágicos, são guardiões da floresta, são raros e só aparecem quando muito necessário e só para aqueles que merecem. Alguns dizem que eles só aparecem para os de coração puro. Lily não sabe por que ele está ali, mas imagina que tenha a ver com a fera atacando criaturas da floresta. O unicórnio se aproxima da fada e também se curva em sinal de respeito. Ele não fica muito mais tempo ali, apenas o suficiente para olhar ao redor, mexer suas orelhas, se curvar de novo e sair.
Não tendo mais o que fazer e aproximando-se da hora do toque de recolher, Lily volta para a vila. As fadas estão voando de um lado para outro, tirando seus objetos importantes do caminho da fera, algumas já estão em suas casas, fechando-as por completo. É preciso uma hora inteira para todas as fadas estarem protegidas e escondidas. Lily está junto das outras fadas guerreiras em uma cabana alta, assim elas conseguem ver grande parte da vila e ter certeza de que o monstro que as assombra não vai machucar ninguém.
No momento que é escutado a fera entrando no perímetro da vila, todas as fadas prendem suas respirações, é quase um ato involuntário nelas. É o costume gerado pelo pavor. Elas temem tanto serem ouvidas e encontradas que qualquer barulho o pânico surge, até mesmo um simples respirar. Com o passar das horas o monstro sempre se afasta das casas e é nesse momento que o silêncio do lado de fora acalma as fadas presas em seus lares. Só assim elas conseguem finalmente relaxar e dormir.
Na manhã seguinte a rotina volta ao normal. Todas as fadas seguem fazendo seus trabalhos e mantendo a floresta viva e protegida. No horário de sempre, Lily volta para sua busca. Ela tenta não repetir os lugares, mas não é como se ela acreditasse que o monstro fosse para tão longe. Lily encontra com o mesmo unicórnio do dia anterior, enquanto andava pelo mesmo lugar, e depois dos cumprimentos ele passa a caminhar junto a fada. Mais alguns passos e eles chegam à cachoeira, onde uma fada está abaixada mexendo na terra. Lily supõe que o unicórnio poderia ir embora vendo outra pessoa, mas ele continua o caminho até a outra que o percebe e se levanto passando suas mãos nele em carinho singelo.
— O que faz por aqui, Lily? — A fada ainda acaricia o animal, mas agora tem um leve sorriso.
— Fui escolhida para tentar achar a fera — ela solta um suspiro surpreso quando o unicórnio mexe sua cabeça como se pedisse por mais carinho quando a outra ameaça parar. — E você, Kristal, o que faz aqui?
— Hum, eu sempre venho aqui cuidar dessas flores.
Lily assente e chega mais perto das flores, abaixando-se e sentindo seus aromas.
— Já teve alguma sorte com o monstro? — O cavalo mágico ao lado solta o ar pelo nariz, como se estivesse bufando.
— Nah, parece que ele some durante o dia.
— Segue ele depois que ele sair da vila — a outra diz balançando os ombros, como se não fosse nada demais.
Na verdade, Lily achou a melhor ideia que já tiveram desde que tudo começou. Como ela mesma, uma fadinha tão curiosa, não havia pensado nisso? Medo, possivelmente.
Obviamente o medo não deixou seu corpo quando saiu da cabana — depois da autorização da líder — e permaneceu consigo durante o percurso que fazia atrás da fera. Entraram floresta adentro, passando entre as árvores, pulando riachos. Foi o resto da noite perseguindo um bicho que ninguém sabia o que era ou para que servia. Era grande, com pelos em marrom terroso, chifres pontudos, dentes afiados e garras enormes. E mesmo sendo tão grande, a fada o perdeu de vista quando uma lufada de ar passou por si quase a derrubando. Ela tentou correr, e pensou que com o céu claro seria mais fácil ainda achar.
Não foi.
Só o que ela achou fora o unicórnio ao lado de Kristal que olhava fixamente para as flores. As duas não conversaram, mas Kristal sorriu para a outra antes de sair dali. Na noite seguinte, Lily fora novamente atrás da fera e de novo a perdeu de vista, dessa vez porque um casal de alces passou correndo em sua frente. Três noites seguintes, igual, a cada noite algo diferente a impedia de seguir a fera. Achando tudo aquilo estranho, na quarta noite ela decidiu que voaria mais alto e nada a impediria. Dessa vez, nada a impediu. O monstro corria e ela estava logo atrás. Quando ele parou, de frente para a cachoeira, Lily se escondeu por entre as folhas de uma árvore. Enquanto o sol surgia ao horizonte e o céu clareava, um brilho aparecia em volta da fera, uma leve ventania rodava ao seu redor. Alguns animais, ao invés de se afastarem, aproximavam-se. O unicórnio passa ao lado da árvore onde Lily estava e olha para cima. A fada, hesitando, desce da árvore, ficando ao lado do ser mágico. Quando o brilho acaba e a ventania para um suspiro surpreso sai da boca da fada.
— Kristal?
Continua...
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